Casa Grande - Nova Aristocrata

"A casa-grande do engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, a levantar no Brasil - grossas paredes de taipa ou de pedra e cal, telhados caídos num máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais - não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas, mas expressão nova do imperialismo português. A casa-grande é brasileirinha da silva."

Trecho de Casa-Grande & Senzala. Gilberto Freyre

Nesses momentos truculentos políticos e sociais, surge o filme, ou melhor, a obra Casa Grande, dirigido por Felipe Barbosa. O título já nos remete a Gilberto Freyre, que trouxe os contrastes do branco e o negro no interior da casa-grande: as relações sociais e culturais, no modo de vida no século XVI.

As relações de poder, a vida doméstica e sexual, os negócios, enfim, o dia-a-dia, da sociedade brasileira naquela época. Casa Grande trouxe as novas relações domésticas da nova sociedade brasileira atual.

Para além do Título, o pôster do filme é bem atrativo, até para aqueles que menosprezam o cinema nacional - em absolutamente nada o filme deixa a desejar.

O filme começa com a câmera estática em uma casa de classe média alta à noite e um homem (Marcello Novaes) sai de sua jacuzzi e lentamente começa a apagar as luzes da majestosa casa, iremos adentrar na atual aristocracia carioca. Desde logo, achei o Rio de Janeiro palco perfeito, lugar aonde é localizado a rede de televisão mais influente do País e também perfeito para contrastes sociais.

Assim como a casa-grande abrigava uma rotina comandada pelo senhor de engenho baseada no patriarcalismo, a casa grande contemporânea é comandado pelo Pai supracitado Marcello Novaes, e o que antes era um produtor de açúcar, hoje é um acionista e o que chama atenção é que o ócio perdura até hoje, só mudou de figura e de modo.

Posteriormente a belíssima apresentação da casa, nos é apresentado o protagonista o adolescente Jean (Thales Cavalcanti). Depois de seu pai ir a seu quarto e de um jeito infantilizado deseja boa noite, o adolescente vai escondido a casa da governanta de sotaque nordestino e lá senta ouvindo histórias de aventuras sexuais e tenta beija-la e ela o manda embora, mas não de forma agressiva.

O dia amanhece com a vinda dos empregados, uma empregada doméstica e o motorista/jardineiro da casa, pelas portas do fundo é claro, e são atendidos pela governanta.

Insta salientar a riqueza de detalhes com que o filme expõe a vida da nova aristocracia, desde o café da manhã com o senhor reclamando a falta da "faca de queijo", até com a mãe dando dez reais ao filho alertando ser o dinheiro do ladrão, caso haja um assalto; A cena da famosa "carteirada" quando o pai superprotetor vai buscar o filho numa badala, quando, por estacionar no lugar aonde homens descarregavam mercadorias e esses buzinam e reclamam vem a famosa frase já enfincada na boca da elite: - Você sabe com quem está falando?

A dinâmica da família é alterada por problemas financeiros que brilhantemente é causado pela queda das Ações de Eike Batista, mas esses problemas financeiros não são colocados de maneira clara diante de todos pelo administrador que é o Pai.

A mãe é a primeira a descobrir quando cobra "sua amiga" a aula de francês que acaba de dar, e essa amiga a informa que deve debitar a aula do dinheiro que o marido deve ao marido dela.

São nesses pequenos detalhes que vemos o quão superficial e frágil são as relações de amizade e de relacionamento amoroso nesse nicho. Quando Jean precisa pegar dinheiro emprestado de seu amigo e esse o cobra e de pronto é levantado novamente o dinheiro que o pai de Jean deve ao pai dele, afinal quando se trata de valor, nesse lugar não se pesa amizade ou cumplicidade ,ou seja, o valor não é subjetivo ele é objetivo e é dinheiro.

Posto isto, voltando ao protagonista Jean, que em decorrência da demissão do motorista, que claro, não foi demitido, "entrou de férias", segundo a explicação do pai, começa a andar de ônibus e conhece uma menina mulata estudante de escola pública, e começa a envolver-se com ela.

Em uma reunião de família a pauta colocada é a chegada do vestibular e a recém criada política positiva de cotas, que, é claro, totalmente criticada pela família, já é de todo sabido que quando a política é usada a favor dos oprimidos, causa incomodo a elite. E então a estudante de escola pública e acolhida pela cotas por ser afrodescendente, defende a cota como seu direito e rebate as críticas preconceituosas da família.

A situação financeira da família não melhora, e para tomar da casa grande resta somente uma funcionária doméstica que não aguenta o trabalho tão pesado e não receber o pagamento há três meses pede demissão a Patroa e ao informar a ela que recebeu uma oferta de emprego na casa de uma amiga dela, a patroa protesta, resta claro a concepção de propriedade com o qual a Patroa sente pela sua funcionária, e nos remete a vestígios escravocratas.

É chegado o dia do vestibular para Jean, que finalmente se vê forçado à adentar na realidade, dessa vez não há amigos para colar, e então ele não aguentando a pressão corre da prova à procura do motorista "Severino" que havia sido demitido, subindo no morro ele encontra o motorista que o recebe com um abraço e o filme termina com um forró no estilo da periferia, aonde ele encontra a governanta nordestina e lá eles finalmente se relacionam e assim termina o filme.

Repleto de lindos contrastes, e faço uso da música de Belchior com a melhor intérprete Elis: - Apesar de temos feito tudo que fizemos, ainda somos os mesmos e vimemos como nossos pais. Esse filme foi considerado o filme brasileiro do ano e de muitos anos e sem dúvida nos trouxe um bom panorama das causas, das revoltas que a vimos levantar da classe média alta, seja pelas politicas positivas sociais, ou pelo clamor de implemento de ditadura militar, o sentimento de senhor de engenho e sinhá ainda paira sobre a elite brasileira.