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Entre o céu e o mar = Entre o sonho e a miséria: Um retrato atrevido do conto de Ignacio Aldecoa

Ignacio Aldecoa (1925 – 1969), grande representante do neorrealismo espanhol, pode ser considerado um dos melhores contistas do século XX[1]. Pinta em suas obras a realidade crua, sem esconder qualquer injustiça que a permeie, porém, com a sutileza de um poeta. É assim que afasta da narrativa qualquer formalismo que distancie o leitor da descrição em que flui a vida do personagem, fazendo-nos desconfiar de nossas próprias impressões: é um conto? Como pode a realidade literária se confundir com experiências tão palpáveis?


Talvez Aldecoa faça em seus contos o que fotografia fez tantas vezes, mas com o diferencial da beleza única da prosa; como mestre, congela situações concretas que são o testemunho direto da realidade: a representação do momento imortalizado em sua mais íntima essência. Através da observação do simples, do cotidiano, Aldecoa extraí a literatura da própria vida e adiciona a esta valores poéticos.



É desta arte que se vale em Entre el cielo y el mar [2], aonde mergulha, através da percepção do cotidiano, no íntimo do personagem Pedro Sánchez, um menino que desde cedo trabalha na pesca, afastando de si a leveza da infância e comprometendo-se com o senso de responsabilidade dos adultos. A vida dos adultos, de miséria, é também o que almeja, é o máximo com que pode sonhar.


Pedro e seus pais são pobres; talvez menos pobres que alguns, mas ainda muito pobres. E é nessa constante luta pela escassez que constrói seu futuro: sonha em ser como seu pai, atrair para si o comando da própria vida, ou seja, ser livre.

Na obra do mexicano Diego Rivera, “los campesinos”, mesmo como símbolos da miséria e escassez, descansam juntos – com calma e tranquilidade, independente de serem privados dos mais básicos confortos. É notável a ternura da cena: apesar de toda dificuldade, dormem e como suporte possuem uns aos outros. Talvez o menino que dorme seja como Pedro Sánchez, que tem na família o seu alicerce: ali encontra, inclusive, a inspiração para o futuro (ainda que este não lhe sorria muito). Pedro sonha, mesmo que só sonhe com o que conhece: ser como seu pai.

La noche de los pobres ou El sueño (1932 – reprodução de um fragmento do mural Secretaría de la Educacion Publica – 1928 -, também de Diego Rivera)



Mas o que é ser livre na miséria? O mar é sua prisão; Pedro não tem ilusões com uma vida cheia de fartura e futilidade, mas sonha em ser como seu pai. Ambiciona ser um trabalhador do mar, um passo a mais do que ser pescador de praia, como já era, mas nada muito distante do que conhece. A beleza da liberdade não lhe foge por estar condicionado a uma série de responsabilidades. Então, se ali há formulação do conceito de liberdade, há beleza: beleza essa representada na reprodução da própria realidade.


Talvez o que represente liberdade para Pedro não o seja para nós, que também estamos condicionados, mas não tão intimamente ligados a mera subsistência. Mas isso não impede Pedro sonhar, embora seus sonhos não estejam ligados a ideais de ruptura: a miséria o mantém estagnado.


Quando sua mãe diz, rabugenta: “-A ver si ahora te haces un zángano como los otros, Pedro'' [3], Aldecoa acrescenta à fala certo tom de ironia: o que é ser um “homem”? De que adianta a concretização de um sonho se este será a reprodução do presente, com seus vícios e injustiças? Ou, ainda, quando Pedro sonha em se gabar para os irmãos por responder com violência a uma morena que lhe morderia, o que faz senão reproduzir, como se isso fosse belo, a violência de que foi espectador? Encontrará satisfação nessa simples manutenção do status quo? Se sentirá completo?


Pedro é uma máquina, um simples instrumento de reprodução... Até poderíamos cair em um pessimismo exacerbado: o mar é uma prisão, nele morrem todas as esperanças, isso se não fossem alguns sutis sinais da humanidade desse personagem. Ele pode estar reduzido de sua capacidade, mas jamais será uma máquina.


Existem dois momentos aonde percebemos que a miséria não reduz Pedro ao nada: Primeiro, quando ele descreve o que gostaria de falar se fosse pescador do mar para sua mãe e seu pai: “Y decir esto mirando a sus padres alternativamente. Ver los ojos del padre casi tristes, casi alegres [4]”; aqui, demonstra um desejo: alcançar o orgulho e a admiração de seus pais, traço de moralidade dos mais nobres: não busca somente sua autorrealização, mas busca, antes talvez da sua própria, a realização/ satisfação/ orgulho de seus pais.

“Pedro caminó hacia su casa. Iba pensando en el mar. Le gustaría ser pescador de mar, dejar de pescar desde la playa. Le gustaría salir con la traíña y estar encargado en ella de los faroles de petróleo. Y, sobre todo, hablar del viento de Levante. Decir al llegar a casa, con la superioridad del trabajador de mar: «Como siga esto así, vamos a comer piedras. El levante nos ha llenado la traíña tres veces de mar. Si no llega a ser por el señor Feliciano, nos vamos a fondo.» Y decir esto mirando a sus padres alternativamente. Ver los ojos del padre casi tristes, casi alegres; y los de la madre, temerosos (...)”

Trecho do conto Entre el Cielo y el mar

Atardecer en Acapulco (1956) – Diego Rivera

Um segundo momento parece ser quando Pedro indaga seu pai sobre o que teria dito dele ao senhor Feliciano (patrão de Sánchez pai):

“-¿Qué ha dicho de mí padre?

-Lo dicho, que te vienes esta noche con nosotros; que cree que te puede hacer un sitio. Ya puedes hacerlo bien... -Pero no ha dicho nada más. ¿Qué quieres que dijera, criatura? Ha dicho lo que ha dicho y es bastante.

Pedro volvió la vista. -Podía haber dicho algo.”


“- O que você disse de mim, pai?

- Disse que virá com a gente essa noite; que acredito que pode fazer um cerco. Que já pode fazê-lo bem...

- Mas não disse mais nada.

O pai disse com estranheza:

- O que queria que eu dissesse, criatura? Disse o que disse e é o suficiente.

Pedro virou o rosto.

- Podia ter dito alguma coisa”.


Esse “podia ter dito algo mais” nos faz refletir: o que seria esse algo mais? Se Pedro será o que está destinado a ser por suas condições, o que, além do necessário, queria que seu pai dissesse? Esquecemos que é uma criança. Talvez tudo o que quisesse fosse se sentir menos estagnado com a realidade: menos máquina, queria mais humanidade reconhecida, ser mais Pedro do que um bom trabalhador.


Passando pelo sonho de liberdade de Pedro, pela estagnação do sistema social e pelos elementos complexos da sua humanidade é que enxergamos a realidade da cena e conseguimos captar a miséria mais como impossibilidade de se libertar da escassez do que como impossibilidade para o desenvolvimento do humano. Aprendemos a não esquecer à deriva aqueles que vivem sob o jugo da miséria, mas a combatê-la para afastar os limites que impõe ao homem. Que Aldecoa nos inspire ao sentimento de semelhança e nos incite a lutar contra tudo que perpetue a miséria e aparte o homem de si mesmo!

.

[1] “Um dos melhores contistas do séc. XX” fica a meu encargo; pelo estilo claro e poético de sua obra, elevo-o além dos melhores contistas espanhóis...

[2] Ver tradução: “Entre o céu e o mar”

[3] “- Vamos ver se agora será “homem” como os outros, Pedro”

[4] “E dizer isso observando seus pais alternativamente. Ver os olhos do pai quase tristes, quase alegres; e os da mãe, temerosos”.

ENTRE O CÉU E A TERRA

Ignacio Aldecoa

Tradução livre por Ana Paula Ricco Terra*

Era a terceira vez naquela manhã. As crianças voltaram a se aproximar. O ruído do mar se confundia com o grito unânime dos que falavam. Uns segundos de silêncio e a monótona repetição como um grunhido ou como o barulho de quem respira com dificuldade: “aaa-u” – se repetia. A rede ia se desenhando lentamente pela superfície áspera da praia. Sua cor doce de outono era desgastada pelo verde triste das algas que se enveredavam por suas malhas, ou pela luz prateada de um peixe muito pequeno que despontava entre as redes, ou ainda, pelas pedrinhas que ficavam presas na sua extensão; perto, balançava o barco vazio.


As crianças pisoteavam a rede. Pedro tinha assumido o trabalho de espantá-las. Dizia um palavrão e fazia com que corressem apenas uns metros para que voltassem em seguida, retomando a confiança em pequenas doses. Pedro tinha entre os lábios uma bituca de cigarro e os olhava superior e hostil, porque era quase um homem e trabalhava.


No fundo do barco sucedia um pestanejar cheio de agonia dos peixes e a massa escura de um polvo se movia, com algo indefinível de víscera ou de sexo. Um último esforço. Os pescadores se inclinaram mais; logo se ergueram em silêncio e contemplaram o mar.


Terceira vez naquela manhã. O senhor Venancio, representante nostálgico dos bons tempos da costa, deu um pontapé no polvo, que retorceu os tentáculos e, al final, depois de os enrolar todos, estendeu-os tensamente, se abrindo como uma flor rara.


- Se conseguimos alguns centavos por cabeça, nos demos bem – comentou.

Os demais seguiram em silêncio. Tinham ouvido e tinham esquecido. Estavam acostumados, mesmo que não conformados, como acreditava o restante das pessoas. De repente, um deles começou a cantar o vai e vem de la ira e del ridículo. Pedro se aproximou do polvo e começou a jogar cruelmente com ele.


- Deixa já o polvo– disse o senhor Venancio.

Pedro sentiu algo como uma pontada de vergonha que lhe subiu até os olhos e fez-lhe baixar o olhar, humilhado, para em seguida distraí-lo na direção do pequeno peixe que colheu entre os dedos. Não, o senhor Venancio não deveria ter dito aquilo na frente das crianças, que lhe olhavam invejosas. Pedro era pescador, e sabia que tinha sua parte no polvo e o direito inquestionável de brincar com ele ou mesmo lhe dar um pontapé, como fez senhor Venancio. Não teve tempo de pensar muito.


- Se ocupa do polvo, Pedro; coloca ele no cesto.

As crianças contemplaram admiradas o trabalho de Pedro de cócoras sobre o animal.

- Amigo – disse Pedro e logo levantou com o polvo flácido, pendente de seus dedos indicador e médio da mão direita, os tentáculos formando uma massa inerte, salvo nos seus delgadíssimos extremos, que ainda se retorciam.


O senhor Venancio falava com seus companheiros:

- Eu teria levado a rede até o porto, podia ser que ali tivéssemos conseguido algo a mais. Se as coisas continuarem do jeito que estão, vamos ter que sobreviver comendo pedras. Três vezes em uma manhã, e nem sequer pra comprar pão...

Pedro fingia interesse na conversa dos maiores sobre a jornada do dia, porque era para isso que era pescador; mas sabia que não se importava muito. Chegaria em casa e teria algo para comer.


Quem trazia comida para mesa era seu pai e não ele. As vezes um pedaço de pão e uma fatia de peixe frito, mas já era o bastante. Desde de pequeno – contemplava sua infância sem ter saído dela como algo muito distante – tinha comido pouco, as vezes nada, mas sempre tinha tido o direito de chorar e protestar contra a escassez. O que não chorava nem protestava era seu pai, que lhe olhava todo com uns olhos apertadinhos, como se tivesse vontade de chorar e protestar com ódio.


- Pedro, leva logo este cesto pra a velha e [que ela tenha pressa em vender todo esse peso].

Pedro desfez a barra da calça argila, que estava suspensa no meio do calcanhar.

- À tarde trabalhamos? – perguntou.

- Veremos. Depende do mar. Luciano te avisa quando passar.


Os pescadores estendiam a rede sobre a praia. Alguns garotos se divertiam recolhendo peixezinhos minúsculos emaranhados na rede; outros iam atrás de Pedro tocando o polvo temerosamente. Pedro se voltava para estes:

- Vão embora! O que é que foi? Nunca viram um polvo antes?

Atirava-lhes areia com os pés.

- Passem, passem, passem...

Disse uma frase obscena...


Chegou onde estava a velha. Estava sentada em uma mureta da casa. Olhava distraída.

- Nada, verdade? – disse.

- Pouco. A manhã não foi boa – contestou Pedro.

- Bom, deixa isso aí; vou sair pra ver o que dão. Venancio quer muitas coisas. Já pode ir; aqui não tem mais nada.




A velha tinha um gênio mau. Costumava a beber. Bebia aguardente, as vezes com água, as vezes com pão, molhando no copo as bolas de miolo que amassava entre os dedos e arrancava da casca, que guardava nos bolsos fundos do seu avental. Pedro não tinha ido embora ainda.

- Já pode ir – repetiu a velha.


Pedro caminhou até sua casa. Ia pensando no mar. Queria ser pescador do mar, deixar de pescar perto da praia. Queria sair com a traineira e ficar responsável pelos faróis de petróleo. E, acima de tudo, falar sobre o vento levante. Dizer ao chegar em casa, com a superioridade de um trabalhador do mar: “Se as coisas continuarem do jeito que estão, vamos comer pedras. O levante fez encher a traineira três vezes. Se não fosse pelo senhor Feliciano, teríamos afundado”. E dizer isso observando seus pais alternativamente. Ver os olhos do pai quase tristes, quase alegres; e os da mãe, temerosos; e contar aos irmãos como uma morena lhe deu uma mordida, que ele revidou com uma pancada de cabo de faca, bem no meio da sua cabecinha de bicha e como teve-a retorcendo a seus pés por mais de duas horas.


Chamaram-lhe os amigos que jogavam com caixas de fósforo.

- Joga, Sánchez?

Estavam em roda sobre o começo sujo da guia.

- Agora não; vou em casa. Esta tarde vai ter pesca.


Disse uma voz:

- Os das Tres Hermanos acabaram de chegar até as tampas de peixes. Ninguém sabe como conseguiram. É o senhor Feliciano, que tem olho de gato pra essas coisas.

Pescar na traineira do senhor Feliciano era o desejo de todos os garotos da praia. Mas o senhor Feliciano não levava garotos na sua embarcação, porque pensava não pegar bem que um garoto que fosse com ele ganhasse mais que seu pai, que pescava de praia ou que tinha lancha de pouca sorte.


Ao passar junto do bar de Sixto, apareceu pela abertura da porta:

- Oi, pai.

O pai de Pedro e o senhor Feliciano estavam comemorando o dia de sorte. Tinham vendido bem em Vélez.

- Você já anda trabalhando! Muito bem, homem, muito bem – disse senhor Feliciano.

- Aprendendo – esclareceu o pai.


Pedro encarava obstinadamente o senhor Feliciano.

- Quer uma dose? O que toma?

- Um pintao – respondeu Pedro.

- Sirva um pintao para o garoto – gritou o senhor Feliciano – Como foi hoje? Venancio sabe muito; tem que largar de onde ele diga. Ele sabe muito disso. Claro que as praias andam mal de pesca... Fica esperto. Ano que vem, que Paco se vai a serviço.... Bom, já falarei com seu pai; já lhe direi quando será.


Deixaram de fazer caso dele e continuaram a falar de toureiros que nunca tinham visto tourear. Pedro bebeu um copo e se despediu. Ao sair, seu pai chamou:

- Diz para a sua mãe que já vou.


Pedro balançou a cabeça e fechou os olhos, assentindo.

A mãe de Pedro estava sentada no degrau da porta. Cosia algo. Perguntou:

- Como foi?

- Mal, mãe.

- Está com fome. Anda, vem. Encima do fogão tem peixe. Lembra que é pra dividir. Viu seu pai?

Não dava tempo para as respostas; falava rápido, quase na velocidade da luz.

- Deve estar tomando das suas. Pra ele dá na mesma um dia bom ou ruim de serviço. Hoje, comemora, amanhã, se queixa. Assim vai tudo.

- Hoje tiveram sorte – comentou Pedro – o senhor Feliciano tem olho de gato para a pesca.


- O senhor Feliciano não tem família pra sustentar como seu pai; pode gastar o que ganha como quiser.

- Pode ser que ano que vem... Paco vai embora a trabalho. Disse que falará com o pai. Na casa de Sixto...

- Os homens deviam pensar mais nas coisas quando casam. Pensa que vou alimentar vocês de ar.

- Quando Paco for embora a serviço... Me disse para ficar esperto...

- Vai vir quando quiser, isso é claro, e suponho que bêbado.

- Me convidou para um pintao. Gosta do senhor Venancio. Disse que tenho que confiar nele quando toma suas decisões, sabe muito disso... O que acontece é que as praias...


Pedro olhava a praia e o mar através da porta. A mãe deixou por um momento o trabalho.

- Sem comer, não se pode trabalhar. Anda e come alguma coisa.

Pedro continuava olhando a praia e o mar.

- Anime-se, que terá tempo de sobra para trabalhar durante toda a vida.

Pedro entrou lentamente na cozinha. Na brasa do fogão tinha um prato de porcelana lascado com um pouco de peixe. Sobre os azulejos partidos, metade de um pão. Cortou um pedaço e mastigou sem vontade. A janela da cozinha dava para uma rua movimentada e suja, que passava no meio de duas filas de casas com a mesma planta. Sob o sol de outono dormia um cachorro. As moscas se aglomeravam em uma poça húmida. Um cano da vizinhança vertia água suja na rua. Pedro pressionou dois ou três pedaços de peixe sobre o pão e saiu pela porta que dava na praia. Mastigava, lenta, conscienciosamente. Olhou para a direita e viu seu pai, que se aproximava. Os dois irmãos pequenos de Pedro vinham de mãos dadas. Seu pai sorria. Chegou.

- Oi, Maria – falava lentamente -; hoje nos demos bem. Tenho uma boa notícia pra você, Pedro:


Feliciano falou com Venancio. Hoje, vai vir com a gente.

Pedro comprimia o pão. O pai continuou:

- Como experiência. Cuidará dos faróis; é simples. Já já te ensinamos.

- Já sei, pai.

- Ótimo, vamos te ensinar de novo, mesmo que diga que já sabe.

O pai entrou na casa. Os irmãos de Pedro ficaram com a mãe. A mãe começou a falar baixo e raivosamente. Disse por fim:

- Vamos ver se agora será “homem” como os outros, Pedro.

Pedro não a escutava. Entrou na cozinha onde seu pai comia.

- O que você disse de mim, pai?

- Disse que virá com a gente essa noite; que acredito que pode fazer um cerco. Que já pode fazê-lo bem...

- Mas não disse mais nada.

O pai disse com estranheza:

- O que queria que eu dissesse, criatura? Disse o que disse e é o suficiente.


Pedro virou o rosto.

- Podia ter dito alguma coisa.

Pedro deixou a cozinha.

Andava pela praia. Ia olhando as embarcações ancoradas. Sentia o cheiro da brisa, das redes postas para secar. Se aproximou da traineira Tres Hermanos. De pouco em pouco mordia o pão com pedaços de peixe. Deu uma volta em torno dela, passando lentamente a mão vazia por suas bordas. Terminou o pão e o peixe. Se deitou no sol. A lancha dava uma breve sombra de meio-dia passado.


Pedro fechou os olhos. Abriu-os. As ondas se acabavam suavemente na praia. Fechou os olhos e escutou como um grunhido ou como uma respiração ruidosa: o mar.



*Nota à tradução: Por mais que se empregue grande esforço, trata-se de uma limitadíssima tradução da obra original, porque, como nos lembra Ramon Saralegui:

“el lenguaje, exprimido hasta el fondo de sus posibilidades expresivas y no solo en el sentido funcional, sino también en el del logro de una armonía musical que sería destrozada por el simple cambio de una sílaba”.


Entre el cielo y el mar

Ignacio Aldecoa

Era la tercera vez en la mañana. Los niños volvieron a acercarse. El ruido de la mar se confundía con el unánime grito de los que hablaban. Unos segundos de silencio y la monótona repetición como un gruñido o como un estertor: «aaa-ú». La red iba saliendo lentamente a la áspera playa. Su dulce color de otoño, roto por la lucecilla plateada de un pescado muy chico o por el verde triste un alga prendida en sus mallas, dividía la oscura desolación de grava menuda; cerca cabeceaba la barca vacía.

Los niños pisaban la red. Pedro había asumido la labor de espantarlos. Decía una palabrota y hacía que corrieran apenas unos metros para pararse en seguida y volver confianzudamente a poco. Pedro tenía entre los labios el chicote de un cigarrillo y les miraba superior y hostil, porque era casi un hombre y trabajaba.

En el copo había un parpadeo agónico y blanco de pascado y se movía la parda masa de un pulpo con algo indefinible de víscera o de sexo. Un último esfuerzo. Los pescadores se inclinaron más; luego se irguieron en silencio y contemplaron el mar. La tercera vez en la mañana. El señor Venancio, el de la nostalgia de los tiempos buenos de la costera, dio una patada al pulpo, que retorció los tentáculos, y, al fin, medio dado la vuelta, los extendió tensamente, abriéndose como una rara flor.

-Si llegamos a una peseta por cabeza, vamos bien -comentó. Los demás siguieron en silencio. Habían oído y habían olvidado. Estaban acostumbrados, aunque no resignados, como creían otras gentes del pueblo. De pronto, uno de ellos comenzó a cantar en el vaivén de la ira y el ridículo. Pedro se aproximó al pulpo y principió a jugar cruelmente con él. -Déjalo ya -dijo el señor Venancio.

Pedro sintió algo como vergüenza que le ascendió hasta los ojos y le hizo humillar y distraer la mirada en un pececillo que cogió entre los dedos. No, no le debía de haber dicho aquello el señor Venancio delante de los chiquillos, que le miraban envidiosos. Pedro era pescador, y sabía que tenía su parte en el pulpo y un indudable derecho a jugar con él o a darle una patada como el señor Venancio. No tuvo tiempo de pensarlo mucho. -Dale la vuelta a la moña, Pedro, y échalo en el cesto.

Los chiquillos contemplaron admirados el trabajo de Pedro en cuclillas sobre el animal. -Cabrón -dijo Pedro, y luego se levantó con el pulpo fláccido, pendiente de sus dedos índice y medio de la mano derecha, los tentáculos colgantes formando una masa inerte, salvo en sus delgadísimos extremos, que todavía se retorcían.

El señor Venancio hablaba con los compañeros: -Yo hubiera tirado el lance hacia el puntal; puede que allí hubiéramos sacado algo más. Como siga esto así, vamos a comer piedras. Tres veces en una mañana, y ni siquiera para comprar pan... Pedro fingía interesarse en la conversación de los mayores sobre el jornal, porque para eso era pescador; pero sabía que no le importaba demasiado. Llegaría a su casa y tendría algo que comer. Para llevar de comer estaba el padre y no él. Acaso un trozo de pan y un rebujón de pescado frito, pero ya era bastante. Desde pequeño -contemplaba su infancia sin haber salido de ella como algo muy distante- había comido poco, a veces nada, mas siempre había tenido el derecho a llorar, a protestar por la escasez. El que no lloraba ni protestaba era su padre, que lo miraba todo con unos ojos muy pequeños, como queriendo llorar y protestar con odio. -Pedro, lleva el cesto a la vieja y que se dé prisa en vender todo ese lastre. Pedro se bajó los pantalones largos de color de arcilla, recogios a medio muslo. -¿A la tarde afanamos? -preguntó. -Se verá. Hay que contar con la mar. Te avisará, al pasar, Luciano. Los pescadores extendían la red sobre la playa. Algunos niños se divertían cogiendo pececillos minúsculos enmallados; otros iban detrás de Pedro tocando el pulpo temerosamente. Pedro se volvía hacia ellos: -Largo muchachos; ¿es que nunca habéis visto un pulpo? Les lanzaba arena con los pies. -Largo, largo, largo... Dijo una frase obscena... Llegó donde la vieja. La vieja estaba sentada en el escalón del umbral de la casa. Miraba distraída. -Nada, ¿verdad? -dijo. -Poco; se dio mal toda la mañana -contestó Pedro. -Bueno, deja eso ahí; ahora saldré a ver lo que dan. Venancio quiere muchas cosas. Ya te puedes ir; aquí no pintas nada.

La vieja tenía un genio malo. Solía beber. Bebía aguardiente, a veces con agua, a veces con pan, mojando en la copa migas que amasaba entre los dedos y arrancaba de un corrusco guardado en uno de los profundos bolsillos de su delantal. Pedro no se había marchado todavía.

-Que ya te puedes ir -repitió la vieja. Pedro caminó hacia su casa. Iba pensando en el mar. Le gustaría ser pescador de mar, dejar de pescar desde la playa. Le gustaría salir con la traíña y estar encargado en ella de los faroles de petróleo. Y, sobre todo, hablar del viento de Levante. Decir al llegar a casa, con la superioridad del trabajador de mar:

«Como siga esto así, vamos a comer piedras. El levante nos ha llenado la traíña tres veces de mar. Si no llega a ser por el señor Feliciano, nos vamos a fondo.» Y decir esto mirando a sus padres alternativamente. Ver los ojos del padre casi tristes, casi alegres; y los de la madre, temerosos; y contar a los hermanos cómo una morena le tiró un muerdo y él le dio con el cuchillo de partir el cebo en la cabecilla de bicha, y la tuvo a sus pies retorciéndose más de dos horas.

Le llamaban los amigos que estaban jugando con cajas de cerillas. -¿Juegas, Sánchez? Estaban en corro sobre el sucio principio de la playa. -Ahora no, voy a casa. Esta tarde tenemos faena. Y una voz: -Los de la Tres Hermanos han venido hasta arriba de pesca. Nadie sabe cómo se las han arreglado. Es el señor Feliciano, que tiene ojo de gato para esas cosas. Pescar en la traíña del señor Feliciano era el deseo de todos lo muchachos de la playa. Pero el señor Feliciano no llevaba muchachos en su embarcación, porque pensaba que estaría mal que un niño ganase por ir con él más que su padre, que pescaba de playa o que estaba en otra lancha con poca fortuna. Al pasar junto a la taberna de Sixto, se asomó. -Hola, padre.

El padre de Pedro y el señor Feliciano estaban celebrando la pesca. Se había vendido bien en Vélez. -¡De modo que tú ya andas en la labor! Bueno, hombre, bueno -dijo el señor Feliciano. -Aprendiendo -aclaró el padre. Pedro miraba fijamente al señor Feliciano. -¿Quieres una copa? ¿Qué tomas? -Un pintao -respondió Pedro. -Pon al chico un pintao -gritó el señor Feliciano-. ¿Qué tal se dio hoy? Venancio sabe mucho; hay que largar donde él diga. Él sabe mucho de eso. Claro que las playas andan mal de pesca...

Vete haciendo ojo. El año que viene, que paco se marcha al servicio... Bueno, ya hablaré con tu padre; ya se lo diré a él cuando sea. Dejaron de hacerle caso y siguieron hablando de toreros, a los que no habían visto nunca torear. Pedro se bebió un vaso y dijo adiós. Al salir, el padre le llamó: -Dile a tu madre que ya voy para allá. Pedro movió la barbilla y cerró los ojos, asintiendo. La madre de Pedro estaba sentada en el escalón del umbral de la puerta. Cosía algo. Preguntó: -¿Qué tal se os dio? -Mal, madre. -Traes hambre. Anda, pasa. Encima de la hornilla hay pescado. Ojo, que hay que repartirlo. ¿Has visto a tu padre? No daba lugar a las contestaciones; hablaba rápida, andaluzamente. -Estará tomándose sus copas. Lo mismo da sacar buen jornal que malo. Hoy de juerga, mañana de queja. Así va todo. -Hoy han tenido suerte -comentó Pedro-; el señor Feliciano tiene ojo de gato para la pesca. -El señor Feliciano no tiene familia que mantener como tu padre; se puede gastar lo que gane con quien le dé la gana. -Puede que el año que viene... paco se marcha al servicio. Ha dicho que hablará con padre. En casa de Sixto... -Los hombres debían pensar más las cosas cuando se casan. Creerá que os voy a alimentar de aire. -Cuando Paco se marche al servicio... Me ha dicho que vaya haciendo ojo... -Vendrá cuando quiera, claro está, y supongo que bebido. -Me ha invitado a un pintao. Aprecia al señor Venancio. Dice que hay que hacerle mucho caso en los lances, porque sabe mucho de eso... Lo que pasa es que las playas... Pedro miraba a través de la puerta la playa y el mar. La madre dejó un momento la labor. -Sin comer no se puede trabajar. Anda y come algo. Pedro seguía mirando la playa y el mar. -Aviva, que ya te quedará tiempo para trabajar durante toda la vida.

Pedro entró lentamente en la cocina. En el rescoldo de la hornilla había un plato de porcelana desportillado con un montón de pescado. Sobre los azulejos partidos, media hogaza de pan. Cortó un trozo y mascó sin ganas. La ventana de la cocina daba a una calle de polvo y suciedad, hecha entre dos filas de casas de una sola planta. Al sol del otoño dormitaba un perro. Las moscas s agolpaban en huellas de humedad. El vecindario vertía el agua sucia en la calle. Pedro apretó dos o tres pescados sobre el pan y salió a la puerta que daba sobre la playa. Mascaba, lenta, concienzudamente. Volvió la vista a la derecha y vio a su padre, que se acercaba. Dos delos hermanos pequeños de Pedro venían cogidos de sus manos. El padre sonreía. Llegó. -Hola, María -hablaba lentamente-; hoy hemos salido bien. Tengo una buena noticia para ti, Pedro: Feliciano ha hablado con Venancio. Hoy te vas a venir con nosotros.

Pedro apretaba el pan y el pescado fuertemente. El padre continuó: -De prueba. Te encargarás de las farolas; es sencillo. Ya te enseñaremos. -Ya sé, padre. -Bueno, te enseñaremos de nuevo, aunque digas que ya sabes.

El padre entró en la casa. Los hermanos de Pedro quedaron con la madre. La madre comenzó a hablar en voz baja, rabiosamente. Dijo por fin: -A ver si ahora te haces un zángano como los otros, Pedro. Pedro no la escuchaba. Entró en la cocina, donde el padre estaba comiendo. -¿Qué ha dicho de mí padre? -Lo dicho, que te vienes esta noche con nosotros; que cree que te puede hacer un sitio. Ya puedes hacerlo bien... -Pero no ha dicho nada más. ¿Qué quieres que dijera, criatura? Ha dicho lo que ha dicho y es bastante. Pedro volvió la vista. -Podía haber dicho algo.

Pedro dejó la cocina. Andaba ya por la playa. Iba mirando las embarcaciones varadas. Aspiraba el olor de la brea, el de las redes puestas a secar. Se acercó a la traíña Tres Hermanos. De vez en vez mordía el pan y el pescado. Dio una vuelta en torno a ella, pasando lentamente la mano vacía por sus costados. Terminó el pan y el pescado. Se tendió al sol. La lancha daba una breve sombra de mediodía pasado. Pedro cerró los ojos. Los abrió. Las olas acababan suavemente en la playa. Cerró los ojos y escuchó como un gruñido o como un estertor: la mar.

Referências bibliográficas:

  • Conto em espanhol disponível em: http://www.ddooss.org/articulos/cuentos/Ignacio_Aldecoa.htm

  • http://www.mmoca.org/programs-events/teachers/teaching-pages/diego-rivera

  • https://www.escritores.org/biografias/420-ignacio-aldecoa

  • http://html.rincondelvago.com/ignacio-aldecoa.html

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