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“O Estrangeiro”, de Albert Camus

Não tive inspiração para fazer neurologia ou psiquiatria. Também não tive vocação em fazer psicologia ou ser uma psicanalista, ou até mesmo ser socióloga. Mas uma coisa que realmente me intriga é saber como funciona a mente humana. O que nos leva a ter sentimentos? O que é o amor? Por que sentimos raiva? O que nos leva à depressão? São perguntas às quais, no meu ponto de vista, merecem um pouco mais de atenção; porém a mais importante delas, talvez, fosse a questão que o filósofo Sartre tenta concluir em suas obras: o existencialismo.

Uns vivem, outros sobrevivem. Esse é um ponto fundamental que o escritor franco-argelino Albert Camus escreve maravilhosamente em seu livro “O Estrangeiro” (L'Étranger). Publicado no auge da Segunda Guerra Mundial, em 1942, o enredo da obra retrata diretamente o sentimento de muitas pessoas naquela época de terror. Não é uma narrativa longa, mas é muito rica e recheada de suspense, para o leitor acabar de ler e ficar dias e dias pensando nas questões que Camus apresenta para nós.


O enredo ocorre na Argélia, até então colônia francesa. O narrador é o personagem principal, Meursault, um homem que vive sozinho e deve ter cerca de 30 anos. O começo do livro já é intrigante e, por que não dizer, frio: “Hoje mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei. Recebi um telegrama do asilo: ‘Mãe morta. Enterro amanhã. Sinceros sentimentos.’ Isso não quer dizer nada. Talvez tenha sido ontem.” Já percebemos logo de cara que o sujeito Meursault não é daqueles que ligam para muita coisa. E é assim até o final do livro. Meursault é sempre indiferente, frio, calado e sem ambição. Vive submerso em seus pensamentos e só se comunica com os outros se for realmente necessário. Tem uma vida mediana, é movido pela racionalidade. Parece uma máquina. Nem mesmo as diversas passagens de adrenalina que ocorrem durante o texto parecem abalar o psicológico do personagem, quase sendo uma mente psicopata. Um exemplo foi quando o narrador comete um crime gravíssimo e, indiferente, assiste calmamente seu julgamento, não demonstrando arrependimento ou qualquer tipo de emoção. Aliás, ele mesmo admite que cometeu tal ato ilícito e não contestou absolutamente nada.


Não é a toa que o título da obra seja “O Estrangeiro”. Ao decorrer do enredo, parece que o narrador é o estrangeiro de si mesmo. Ele não interage, parece desconhecer e não saber como se comunicar, ou não conhece quem ele é. É um turista de seu próprio mundo, não se sente confortável onde está, e tão pouco parece pertencer ou se sentir acolhido em algum lugar. Ele calcula cada passo e não tem medo de machucar os outros. Parece uma imensa solidão, e isso vai nos intrigando até a última página do livro, na qual o nível de conformidade com a vida medíocre chega ao extremo. Camus faz com que o narrador se encontre em diversas situações e nós, meros leitores, sempre ficamos ansiosos para saber qual atitude Meursault tomará para enfrentar aquilo... Mas como sempre, nos surpreendemos com cada linha que está escrita na obra. O suspense é muito bem trabalhado. É fascinante o modo como o autor nos instiga a conhecer melhor Meursault - mas isso é uma tarefa bem difícil.

Apesar de Camus não achar que seu livro se trata do existencialismo (ele considera que a obra se enquadra no termo absurdo, o absurdo da condição humana), para mim, também trata a respeito do existencialismo. Afinal, quantas pessoas conhecemos que se encaixam nesse perfil? Ou até mesmo nós nos encaixamos e sentimos essa mesma tristeza. Será que esse é realmente o modo de encarar a vida? Talvez para Meursault sim, a vida é apenas para ser sobrevivida.


Enfim, recomendo muito esse livro. Ele foi feito para pensar, refletir sobre os nossos próprios atos, se nós também somos estrangeiros do nosso mundo. Se nós somos apenas os observadores da vida.




CAMUS, Albert. O Estrangeiro. 16. ed. Rio de Janeiro: Record, 1997. 126 p.



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