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Quantas coisas existem de que eu não necessito?


“Quantas coisas existem de que eu não necessito? ”. Eis o que Sócrates questionou ao defrontar-se com diversos artigos de luxo postos à venda.


Daí, infere-se o que Aristóteles havia depreendido em seu estudo ontológico [1], visto que, assente à isso, pôde fracionar os bens do ser em três dissemelhantes classes: “o que alguém é”, “o que alguém representa” e, “o que alguém tem”.


A priori, o que o homem é, compreende tudo aquilo que, inerentemente, à ele constitui, seu caráter, sabedoria, essência - a riqueza interior da alma. Porquanto, é o determinante do ser, vez que será o intermédio dentre as duas outras frações denotadas pelo pensador, e, o resolutivo da felicidade humana.

Ora, o que o homem é?


Eis que tortuosa tribulação responder a tal questionamento. Árduo segregar não mais que aquilo que alguém é, remover-lhe as mensurações alheias, posses e riquezas. Pois bem, além disso, o que resta?

Deveras, imprescindível é, defrontar-se consigo mesmo, remover o que se é de costume assimilar da sociedade, enxengar tão somente o que diz respeito à natureza do ser. Abster-se do que é reflexo e abandonar o que conserne às ficções sociais.


Atinente ao que se alude aqui, e a perene busca ao questionamento supra dito, considerável mencionar o longa Mr. Nobody, filme de Jaco Van Dormael, em que retrata a vida “Nemo”, um homem que não existe, frente à um tempo e realidade inconstantes. Em vista disso, a existência do protagonista é apresentada sobre diversas perspectivas, a respeito do que foi ou poderia ter sido. Sendo que, ao expectador pouco é revelado acerca da veracidade dos fatos. Afinal, o que Nemo é, e o que deixou de ser? Dado que, à infinitas possibildades que se tem, Nemo cogitou ser todas elas, e, ao procurar si próprio, deparou-se com a totalidade de universos e o vazio que constitui o homem.


A inconstância, e o livre trânsito da narrativa, conduz o telespectador à se deparar com o mosaico de possibilidades daquilo que alguém é, vez isso nivelado à suas escolhas.

Outrossim, aquilo que, deveras somos, integra o mais considerável da vida, assim como o mais penoso dela. Difícil é se encontrar, e, quiçá, mais difícil ainda, quando se encontra. Conquanto, por vezes, preferível não ser nada. Com efeito, à finda do longa metragem o protagonista declara: "I've got nothing to say to you. I'm Mr. Nobody, a man who doesn't exist."

Consoante o delineado, aquilo que somos se fundamenta naquilo que não se é passivel de sucumbência. No mais, Arthur Schopenhauer, ao edificar o tema asseverou “o que alguém tem em si mesmo, é o que há de mais essencial para a sua felicidade de vida” [2], ademais, a fim de consubstanciar o dito, aludiu os versos de Goethe [3]:


“Como, no dia em que foste doado ao mundo,

O sol levantou-se para a saudação dos planetas,

Desde então também cresceste sem cessar,

Conforme a lei do teu nascimento.

Assim deve ser, não podes fugir de ti mesmo,

Assim já vaticiaram sibilas e profetas;

E nenhum tempo e potência fragmenta

A forma estabelecida que, viva, se desenvolve.''


Isso posto, dada a continuidade do tema abordado por Aristóteles, passemos a compreender aquilo que o homem representa, isto é, as apreciações e julgo alheios, àquilo que alguém é aos olhos do mundo. Conforme Schopenhauer, tal matéria consiste na própria debilidade do que o homem é, na medida em que, ao assentir com ingerência de terceiros, também se delimita exaurir aquilo que se tem por essência.


Por conseguinte, consiste notadamente em pessoas decentes por natureza, na medida em que a existência respalda-se em representar o que lhe é ordenado pelo corpo social, seja em razão de demasiada vaidade, ora, descometida insegurança.

Nada mais lamentável do que, de fato, ser incapaz de existir, viver representando um papel que foi criado por outro.

Dessarte, aquilo que alguém tem - angariar riquezas ao longo da vida, para que disso, nada de vital seja constituído, integra o modo mais mendicante de se pautar a existência.

Nesse sentido Schopenhauer dispõe : “Numa espécie tão carente e constituída de necessidades como a humana, não é de admirar que a riqueza, mais do que qualquer outra coisa , seja tão estimada e com tanta sinceridade, chegando a ser venerada; e mesmo o poder é apenas um meio para ela” [4]


Desgostoso acompanhar a imoderada estima atribuída às riquezas, tal como o que se faz delas a circunscrita razão da vida. Deste modo, reitera-se o que Sócrates havia questionado:

“Quantas coisas existem de que eu não necessito?



[1] Aristótele, Ética a Nicômaco, Editora Atlas, 2009, p. 29.

[2] Arthur Schopenhauer Aforismos para a Sabedoria de vida, Coleção Folha, 2015, p. 24.

[3] Goethe em Palavras Primitivas, órfico (Urworte, Orphish).

[4] Arthur Schopenhauer Aforismos para a Sabedoria de vida, Coleção Folha, 2015,

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