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GREGÓRIO DE MATOS GUERRA: ARTE E CRÍTICA SOCIAL


Cada momento histórico carrega suas vantagens e desvantagens. As desvantagens desencadeiam manifestações por diversos canais, dentre estes, pela arte. Conforme dizia o ilustre dramaturgo inglês William Shakespeare, “a arte é o espelho e a crônica do seu tempo” e é por isso que, na análise de qualquer obra de arte, é crucial saber seu contexto histórico.


No Brasil, temos ricos exemplos de manifestações artísticas críticas ao longo da história. No período entre 1847 e 1871, viveu o poeta Castro Alves, conhecido como “poeta dos escravos”, pois, nas suas obras, clamava pela liberdade e criticava a escravidão da época. Um exemplo destes poemas é “Navio Negreiro”, que relatava o cotidiano sofrido dos negros nos navios negreiros, transporte pelo qual eram levados aos engenhos para servir de escravos.


Em 1937, época da ditadura anticomunista do Estado Novo, Jorge Amado publica seu livro “Capitães da Areia”, o qual narra a história de meninos de rua baianos, que viviam de maneira precoce, considerando sua pouca idade, envolvendo-se com prostitutas e com álcool, praticando atos criminosos pelas ruas e desafiando as autoridades baianas. Pedro Bala, o líder dos meninos, era filho de um grevista, o qual foi morto em um ato de greve que participava. Jorge Amado, além de escritor, era militante comunista e por este livro buscou criticar a repressão aos militantes e o abandono dos adultos e crianças de rua, que acabam por entrar na criminalidade pela falta de auxílio e opções a que eram submetidos.


Um outro exemplo foi o período da ditadura militar, entre 1964 e 1985, época considerada referência no aspecto de manifestação artística de crítica social. Inúmeras músicas e obras literárias críticas foram produzidas, porém censuradas por conta da forte repressão contra os revolucionários. Dentre estas, destaca-se o livro de contos de Rubem Fonseca, “Feliz Ano Novo”. O conto “Feliz Ano Novo”, que dá nome ao livro, conta com muitos termos de baixo calão, extrema violência e ironia.

No Brasil, aquele que inaugurou a crítica social na arte foi um poeta nascido em Salvador em 1636, filho de nobres e que, por conta da sua “incontinência verbal”, foi apelidado de “Boca do Inferno”. Gregório de Matos Guerra foi um dos primeiros poetas brasileiros e além dos seus poemas satíricos, ficou conhecido também pelos seus poemas religiosos, eróticos e líricos.


As obras de Gregórios de Matos foram produzidas em uma época de crise econômica do Brasil colônia, consequência da concorrência da produção do açúcar nas Antilhas e também pela decadência do sistema escravocrata português, que promoveu diversas restrições ao Brasil colônia.


Este período também foi marcado pelo surgimento da burguesia, a qual era composta por portugueses que vinham ao Brasil comandar o comércio e que, na medida que seu poder econômico crescia, reivindicavam mais poder político. Diante disso, os nobres (ou bem nascidos) e a burguesia começaram a criar uma certa rivalidade, pois os nobres acreditavam que somente eles poderiam desfrutar de certos benefícios, pois só eles eram provenientes de famílias influentes.


Gregório de Matos, por ser um nobre, criticava muito a burguesia nos seus poemas satíricos, taxando-a de oportunista e corrupta. Além da burguesia, criticava também a corrupção do clero e tinha preconceito com negros, mulatos e mestiços.


No poema “Juízo Anatômico da Bahia”, ficam claras todas as características marcantes da poesia satírica de Gregório de Matos. Nos primeiros seis versos, expõe sua crítica à realidade da sociedade baiana, colocando que a mesma carecia de “verdade, honra, vergonha”.


A crítica à burguesia aparece logo após estes versos, quando coloca a culpa de todos estes adjetivos pejorativos no negócio, na ambição e na usura, fazendo referência às transações comerciais e o poder econômico em ascensão dos burgueses.


O sentimento racista do autor fica evidente do verso 15 ao 21, quando classifica os pretos, mulatos e mestiços como objetos e diz que os dará ao demo. Logo após estes versos, o autor também demonstra sua insatisfação com os funcionários públicos (meirinhos, guardas e sargentos), taxando-os de corruptos e responsáveis pela fome na Bahia.


Do verso 32 ao 45, expõe-se a crítica ao clero e à Igreja Católica, também representada pela Santa Sé. O autor coloca que a Santa Sé é movida por simonia (tráfico de objetos sagrados), inveja e unha (roubalheira) e que os frades se ocupam de freiras, sermões e putas.


JUÍZO ANATÔMICO DA BAHIA

1 Que falta nesta cidade?-Verdade.

2 Que mais por sua desonra? -Honra.

3 Falta mais que se lhe ponha? -Vergonha.

4 demo a viver se exponha,

5 Por mais que a fama a exalta,

6 Numa cidade onde falta

7 Verdade, honra, vergonha.

8 Quem a pôs neste socrócio? -Negócio.

9 Quem causa tal perdição? -Ambição.

10 E o maior desta loucura? -Usura.

11 Notável desaventura

12 De um povo néscio e sandeu,

13 Que não sabe que o perdeu

14 Negócio, ambição, usura.

15 Quais são seus doces objetos? -Pretos.

16 Tem outros bens mais maciços? -Mestiços.

17 Quais destes lhe são mais gratos? -Mulatos.

18 Dou ao demo os insensatos,

19 Dou ao demo a gente asnal,

20 Que estima por cabedal

21 Pretos, mestiços, mulatos.

22 Quem faz os círios mesquinhos? -Meirinhos.

23 Quem faz as farinhas tardas? -Guardas.

24 Quem as tem nos aposentos? -Sargentos.

25 Os círios lá vêm aos centos,

26 E a terra fica esfaimando,

27 Porque os vão atravessando

28 Meirinhos, guardas, sargentos.

29 E que justiça a resguarda? -Bastarda.

30 É grátis distribuída?- Vendida.

31 Que tem, que a todos assusta? - Injusta.

32 Valha-nos Deus, o que custa

33 que El-Rei nos dá de graça,

34 Que anda a justiça na praça

35 Bastarda, vendida, injusta.

36 Que vai pela cleresia? -Simonia.

37 E pelos membros da Igreja? -Inveja.

38 Cuidei que mais se lhe punha? -Unha.

39 Sazonada caramunha

40 Enfim, que na Santa Sé

41 que mais se pratica é

42 Simonia, inveja, unha.

43 E nos Frades há manqueiras? - Freiras.

44 Em que ocupam os serões? -Sermões.

45 Não se ocupam em disputas? - Putas.

46 Com palavras dissolutas

47 Me concluís, na verdade,

48 Que as lidas todas de um Frade

49 São freiras, sermões, e putas.

50 O acúcar já se acabou? -Baixou.

51 E o dinheiro se extinguiu? -Subiu.

52 Logo já convalesceu? -Morreu.

53 A Bahia aconteceu

54 O que a um doente acontece,

55 Cai na cama, o mal lhe cresce,

56 Baixou, subiu, e morreu.

57 A Câmara não acode? -Não pode.

58 Pois não tem todo o poder? -Não quer.

59 que o governo a convence? -Não vence.

60 Quem haverá que tal pense,

61 Que uma Câmara tão nobre,

62 Por ver-se mísera e pobre,

63 Não pode, não quer, não vence.

Diante do exposto, é possível ver que, apesar de toda herança negativa que um momento histórico pode trazer, também há uma herança positiva, onde a arte com certeza está incluída e desempenha seu papel de agente de mudança.

Considerando a literatura de Gregório de Matos, é inegável que sua poesia tenha influenciado seus contemporâneos, servindo de inspiração para os grandes artistas brasileiros críticos e enriquecendo a herança positiva da história brasileira.

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