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Três doses de amor, desejo e loucura, por favor!

Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar... Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar... Queria subir ao céu, Queria descer ao mar... E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar... Estava perto do céu, Estava longe do mar... E como um anjo pendeu As asas para voar... Queria a lua do céu, Queria a lua do mar... As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par... Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar...

Por tratar-se de um tema essencialmente subjetivo, amor e desejo são ferramentas poderosas e amplamente exploradas no infindável horizonte que se abre no universo literário. Ao passo que, durante toda a história da literatura, artistas geniais moldados em homens racionais ou poetas apaixonados, tentaram desvendar esses dois elementos sob perspectivas distintas e variadas. Perante o assunto, vale inferir, sem dúvida, um possível paralelo entre três personagens de obras fantásticas, às quais fixam a peculiaridade do amor e a absoluta potência do desejo, junção frequentemente subvertida e associada à loucura.

É o caso da sutil sintonia entre o trágico, mas belo suicídio de Ismália, personagem central de Alphonsus de Guimaraens no poema acima, o de Julieta - figura shakespeariana extremamente difundida desde sua origem - e, claro, do jovem Werther, escrito por Goethe, revelando-se uma das mais emocionantes histórias já concebidas.

Primeiramente, destrinchar o perfil de Ismália demonstra ser um trabalho imensamente árduo. Isso porque seu grande amor desperta sensações que turvam as noções de lucidez e sobriedade, às quais esvanecem paulatinamente. Sob esse ponto de vista, tanto ela, quanto Julieta e Werther manifestam um espírito áureo de devoção, o qual caminha intimamente com a loucura. Loucura, por sinal, que associada ao desejo torna-se fonte de constante sofrimento, além de uma bússola que guia por caminhos tortuosos.

Como Platão já mencionara, afinal: o sujeito ama aquilo, aquele, enquanto e na intensidade que deseja. Desejo, por sua vez, é a energia que se têm para a infindável busca do objeto amado. O filósofo salienta, ainda, que se ama aquilo que não têm, definição sobre a qual adapta-se plenamente nos casos das personagens.

No momento em que Julieta vê o corpo de Romeu, sente um desejo incontrolável que a obriga a superar todos os obstáculos para unir-se a ele, o que inclui, de fato, abdicar de sua própria vida. Ismália, por sua vez, ao apaixonar-se pela perfeição da Lua e, por conseguinte, a desejar incessantemente, entra numa espécie de frenesi em razão do reflexo lunar, sereno e atraente, ao mar. É quando, então, o mesmo desejo incontrolável à inunda, sentimento que afoga sua consciência e a faz mergulhar do alto da torre em busca do irrevogável encontro.

Logo, nesta mesma linha trágica de raciocínio que Shakespeare e Guimaraens desenvolvem o tema, faz-se necessário esclarecer a célebre obra “Os sofrimentos do jovem Werther”, um romance epistolar escrito em 1774, no qual Goethe retrata a história de amor entre Werther e Charlotte, dois jovens que, separados pela promessa de casamento da amada com outrem, são impedidos de aproximarem-se.

Completamente sufocado por incertezas melancólicas, Werther admite disparar um tiro na própria cabeça, episódio que certamente corrobora com as atitudes de Ismália e Julieta, uma vez que a tríade de fato sucumbe ao amor, ardentemente inflamado pelo desejo, atestando, ao final, o mesmo destino funesto.

Vale ressaltar que, curiosamente, o livro provocou uma absoluta comoção entre os jovens da época, visto quão atraídos sentiram-se pela ideia de morrer por amor. Assim, o sociólogo David Phillips designou tal fenômeno de “Werther Effect”, no intuito de se referir justamente à onda de suicídios ocorridos na Alemanha do século XVIII, embora fosse incapaz de correlacioná-los fundamentalmente.

Julieta, aliás, no decisivo momento da obra prima de Shakespeare, toma a bainha de Romeu e, graciosamente, desfere o golpe fatal sobre si mesma, repousando, por fim, sobre o corpo de seu amado. Paralelamente, revela-se a delicadeza angelical atribuída à personagem de Guimaraens no último ato de levantar os braços e os ruflar, como se tentasse penetrar pela instransponível distância entre ela e sua Lua. Desta maneira, sua alma emerge embalada por um verso, enquanto seu corpo recai na imensidão do oceano.

Portanto, à luz de Platão, a união intensa entre amor e desejo, revela essa trinca de belas tragédias, com doses amplamente ministradas de loucura. No livro, Werther corrompe seu espírito religioso em detrimento de uma vida em constante tormento sem Charlotte. Na peça teatral, nota-se que, após os suicídios de Romeu e Julieta, o padre explana que o próprio amor proibido deles os matou, seguido da percepção de que Sol, de luto, nem quis se levantar. Diferentemente, enfim, de Ismália, uma vez que satisfez a um só tempo, a Lua do céu, com a alma, e a Lua do mar, com o corpo

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