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Anomia e Desespero: As Virgens Suicidas


Na cena inicial do filme As Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, 1999, Sofia Coppola, baseado no livro de mesmo nome escrito por Jeffrey Eugenides e lançado em 1993), Cecilia Lisbon (Hanna R. Hall), a mais nova das cinco irmãs Lisbon, tenta dar cabo à própria vida cortando os pulsos no banheiro de casa. Porém, a ajuda chega a tempo, e Cecilia acaba salva. Logo depois de salva, o médico a questiona dos motivos que a levaram a tal atitude, afirmando que ela sequer era velha o suficiente para “saber o quão ruim a vida pode se tornar”. A resposta da jovem deixa perfeitamente clara a problemática do filme e, numa certa extensão, os motivos que levam tanto ela quanto suas irmãs a ter um destino trágico:


“Obviamente, doutor, você nunca foi uma menina de treze anos.” E, vale acrescentar, uma menina de treze anos na virada dos anos 60 para os anos 70, uma época de transição e de mudança de valores, especialmente aqueles que dizem respeito aos jovens ocidentais e à maneira como eles vivem a vida. É no conflito entre dois mundos diferentes que vivem Cecilia, Lux (Kirsten Dunst), Bonnie (Chelse Swain), Mary (AJ Cook) e Therese (Leslie Hayman), o mundo externo em transição marcado pela curiosidade natural dos adolescentes em conhecer a vida em todos os seus aspectos, e o mundo interno, o mundo da casa dos Lisbon, marcado pela rigidez dos pais das garotas, católicos fervorosos, autoritários e superprotetores (James Woods e Kathleen Turner). O instinto de curiosidade das garotas e o instinto de proteção dos pais são duas forças opostas, aquela agindo no sentido de libertá-las, e esta no sentido de prendê-las e restringi-las. Isso é narrado de maneira sensível e delicada na visão de um narrador (Giovanni Ribisi) que fala em nome de um grupo de garotos que, mesmo depois de crescidos, ainda tentam desvendar os pensamentos das garotas, pensamentos tais que, para o grupo, ainda são um mistério.


Seguindo uma recomendação médica de deixar com que as garotas tenham maior contato social, especialmente com garotos, os Lisbon organizam uma festa para que Cecilia se sinta melhor. Não adianta, porém, pois que ela sobe rapidamente ao seu quarto e, de lá, joga-se em direção a uma cerca pontiaguda, morrendo empalada. Com isso cresce a repressão sofrida pelas garotas pelas mãos de seus pais, que fica mais sufocante e asfixiante conforme o filme passa, bem como o mistério do que se passa pela cabeça das jovens que ficavam cada vez mais isoladas com o passar do tempo. E, embora com a intenção de protegerem suas filhas dos típicos anseios que marcam a fase da adolescência, essa restrição excessiva da liberdade das garotas faz com que elas sofram em dobro: pela falta de liberdade e por burlarem as regras, impossíveis de serem seguidas. Cria-se uma situação de anomia entre as garotas e os valores que seus pais as obrigam a seguir, posto que as garotas não podiam mais agir em conformidade com tais valores.


Quem mais tenta quebrar com os valores restritivos impostos pelos pais das garotas é Lux, que começa a ter alguns casos com garotos, até encontrar Trip (Josh Harnett), garoto que fazia muito sucesso com as mulheres, tanto as da sua escola quanto com mulheres mais velhas. Lux e Trip se apaixonam, e é interessante notar que Lux escolhe ter um caso sério com um garoto que vai totalmente contra o moralismo rígido no qual seus pais tentam força-la a viver: Trip é um garoto promíscuo, usuário de drogas, que bebe e é filho de um pai homossexual. Após manter o caso em segredo dos pais de Lux por algum tempo, Trip consegue convencer o senhor Lisbon a convidá-la para um baile, com a condição de que iria chamar alguns amigos para serem pares das irmãs de Lux. Eles marcam um horário para voltar, mas Lux e Trip não voltam junto com os outros, vão ao campo de futebol americano da escola e Trip tira a virgindade de Lux no gramado. Lux acaba dormindo depois disso, e Trip a abandona. Lux volta para a casa em um táxi, e, tendo quebrado a regra final, as garotas sofrem consequências extremas: são tiradas da escola e trancafiadas dentro da própria casa, proibidas de qualquer contato social.


A rebeldia de Lux continua com ela passando a ter casos com vários garotos de maneira escondida, mas, em geral, as garotas estavam totalmente isoladas do mundo, apenas comunicando-se com o grupo de garotos do narrador por meio de linguagem de sinais. E não demora muito para que o inevitável ocorra: as garotas vão se matando, uma a uma. Numa certa noite, elas convidam os garotos para casa, mas, ao chegarem, os garotos encontram Bonnie enforcada, Mary morta por asfixia após colocar a cabeça em um fogão à gás, Therese morta por overdose e Lux morta após prender-se em uma garagem e ligar o motor do carro. Cada vez mais acuadas pelas duras regras que deveriam seguir em casa, sentindo-se presas e acorrentadas, o suicídio das Lisbon foi um ato de desespero, pois, quanto mais queriam conhecer a vida e o mundo, mais presas ficavam no mundo interno da família Lisbon, quase ditatorial e vazio.


A trilha sonora do filme é dividida em duas partes, uma composta basicamente por músicas dos anos 70 que servem para situar a história, e outra, composta pela dupla francesa de música eletrônica Air, que serve para realçar o clima de mistério presente em todo o filme e também para realçar a dualidade na qual vivem as garotas, como deixa claro a faixa principal “Playground Love”, “Amor de Playground” em tradução livre para o português. As garotas estão entre o amor, amor esse em sentido também carnal, um sentimento adulto, por assim dizer, e o playground. Estão entre a fase adulta e a infância, são adolescentes, e esse é um dos pilares do tormento pelo qual elas passam.

No fim, as “Virgens Suicidas” não o são apenas no sentido sexual (embora Lux já não fosse mais virgem quando cometeu suicídio), são virgens de experiências e têm um desejo jamais realizado de liberdade, um desejo de viver que passa pelo sexo mas não fica apenas nele. Um desejo cuja extensão não se sabe dizer ao certo, sendo o maior mistério não resolvido da obra, pois o tamanho do desespero das garotas é correspondente ao tamanho da sua ânsia por viver. Mas não temos como saber nem uma coisa, nem outra, porque, nas palavras de Cecília, não fomos garotas de treze anos. Não como elas.

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